quarta-feira, 30 de junho de 2010

As sequelas da violência

Oi pessoal!
Eu tinha planejado falar sobre a reforma psiquiátrica no Brasil neste post, mas por forças maiores resolvi elaborar um texto diferente.
Tive uma experiência bem marcante poucos dias atrás: fui assaltado e sequestrado. Confesso que no momento da abordagem a primeira coisa que pensei foi: "não, eu não estou sendo assaltado". Parecia que a coisa não era comigo e que era uma pegadinha....mas não era, pior, não foi...
Fui ameaçado com uma arma na minha cabeça e obviamente pensando nas piores coisas que poderiam me acontecer e à pessoa que estava comigo nesta aventura nada planejada e tampouco desejada.
E aí eu pergunto: como fica a cabeça daqueles que sofrem com a violência alheia???
Não é de se admirar que pessoas que sofram atos de violência, nestes casos gratuita, não queiram mais sair de casa, adquiram um comportamento receoso e entrem em situação de pânico. É o Transtorno de Estresse Pós Traumático, ou a famosa Neurose de Guerra como dizem os especialistas.  
O transtorno de estresse pós-traumático pode ser entendido como a perturbação psíquica decorrente e relacionada a um evento fortemente ameaçador ao próprio paciente ou sendo este apenas testemunha da tragédia. O transtorno consiste num tipo de recordação que é melhor definido como revivescência pois é muito mais forte que uma simples recordação. Na revivescência além de recordar as imagens o paciente sente como se estivesse vivendo novamente a tragédia com todo o sofrimento que ela causou originalmente. O transtorno então é a recorrência do sofrimento original de um trauma, que além do próprio sofrimento é desencadeante também de alterações neurofisiológicas e mentais.
Como a violência urbana e a agressão interpessoal constituem ameaça à vida, à integridade física e à sensação de segurança das pessoas de forma cotidiana, a resposta emocional das pessoas sob a forma de Transtorno por Estresse Pós-Traumático começa a se tornar uma ocorrência freqüente. Trata-se dos transtornos emocionais desencadeados pelo esforço adaptativo do indivíduo ao seu meio e, quanto mais hostil for esse meio, maiores as probabilidades de transtornos emocionais. 
A idéia do Transtorno por Estresse Pós-Traumático é um conceito desenvolvido a partir de 1980, nas classificações internacionais (CID.10 e DSM.IV), que permitiu unificar uma série de categorias de transtornos emocionais reativos a acontecimentos traumáticos anteriormente dispersos na classificação psiquiátrica.
No século XIX, entretanto, diversos psiquiatras e neurologistas já reconheciam os sintomas característicos do atual Transtorno por Estresse Pós-Traumático, incluindo o quadro dentro da neurose histérica ou de conversão. Depois da Segunda Guerra Mundial ressurgiu o interesse pelas manifestações clínicas desta síndrome, a qual passou a ser conhecida como “neurose traumática ou de guerra”. Portanto, o quadro que antigamente era conhecido por Neurose de Guerra, ressurge hoje nos grandes centros urbanos como uma resposta do cidadão comum às agressões que a sociedade moderna o submete.
Qualquer pessoa pode desenvolver estresse pós-traumático, desde uma criança até um ancião. Os sintomas não surgem necessariamente logo após o evento, podem levar meses. O intervalo mais comum entre evento traumatizante e o início dos sintomas são três meses. Muitas pessoas se recuperam dos sintomas em seis meses aproximadamente, outras podem ficar com os sintomas durante anos.  
Os tratamentos preconizados ainda não são plenamente satisfatórios ou estão em início de investigação. Além da intervenção terapêutica, necessária para que a pessoa possa reorganizar seu padrão de funcionamento e continuar seu processo de vida de modo mais saudável, a única medicação autorizada oficialmente para tratamento do estresses pós-traumático nos EUA era a sertralina, que continua sendo indicada. Uma medicação talvez mais eficaz que a sertralina é o topiramato. As primeiras investigações com ele mostraram uma resposta altamente satisfatória.
Conforme podemos ver, não são poucas as consequências que a violência nos impõe quando analisamos nossa saúde psíquica. Embora tais atos sejam deflagrados sem nenhum  tipo de violação física, é inevitável que qualquer conduta violenta ocorra sem que fiquemos ilesos.
Um abraço e até a próxima.
Roges

quarta-feira, 9 de junho de 2010

O Cinema e a Imagem Social da Saúde Mental

Bueno amigos...
  Depois de passados exatamente 30 dias sem postagem alguma, retorno com um assunto que achei interessante: as representações da saúde mental no cinema.
  O olhar insistente do cinema para os "distúrbios psíquicos" deve-se ao fato de que esses distúrbios têm repercussão profunda nas pessoas, assim como a violência. Os distúrbios mentais mostrados na tela remetem àquele fundo patológico, de loucura ou de alteração, que está presente em todos nós.
  No cinema de Hollywood, por exemplo, há obras em que os distúrbios psíquicos, os transtornos mentais e a loucura servem como fio condutor da narrativa. Nessa direção, encontramos obras expressivas, como Psicose (Hitchcock, 1960), Um estranho no ninho (Milos Forman, 1965), O expresso da meia noite (Alan Parker 1978), O silêncio dos Inocentes (Jonathan Demme, 1991).  Entre tantos outros, são filmes que nos apresentam personagens psicóticos, estranhos, literalmente fora da casinha e portanto, levam o espectador a formar uma certa imagem da doença mental e da loucura. Entretanto, observando-os de maneira mais detida entendemos que tais filmes tratam de modalidades de inconformismo, resistência e negação do suposto estilo de normalidade, proposto pelas regras sociais. Na perspectiva de um olhar clínico, acredita-se que estas obras podem instigar uma reflexão mais lúcida acerca das diversas patologias mentais.
  No cinema nacional, por sua vez,  alguns filmes tratam do tema da saúde mental e distúrbios psiquiátricos, e entende-se que, principalmente nos trabalhos da década de 60/70, há uma produção importante, competente na decifração dos distúrbios sociais desencadeando a loucura individual, durante a ditadura militar. Um exemplo nessa direção é o filme Matou a família e foi ao cinema (Júlio Bressane,1969), que mostra uma sociedade com valores em transformação, em que se percebem modificações no domínio da ética, da moral, do comportamento, da linguagem e também da maneira como é tratada a loucura.
  Com esta temática, o filme Azylo muito louco (Nelson Pereira dos Santos, 1969/70), adaptação do romance O alienista, de Machado de Assis, que serve, sobretudo, como uma grande metáfora para a atmosfera caótica dos anos 70. A narrativa de O alienista, especificamente, é importante porque demonstra a fina ironia de Machado de Assis a respeito da maneira como a loucura é vista, no século XIX, pelas classes sociais e principalmente pelo olhar da medicina, marcada pelo espírito positivista regendo o conhecimento científico. Ou seja, mostra como a construção do saber sobre a loucura se instituiu a partir do discurso autoritário do médico, da classe dominante. Por este viés, percebe-se igualmente como ocorre o nascimento da clínica, como se processam as internações, de maneira arbitrária e a partir de critérios pouco confiáveis.
  De um modo  mais abrangente, os audiovisuais, o cinema, as telenovelas, as minisséries, etc, vão sinalizando
novas perspectivas, novos olhares sobre o problema da saúde mental, da loucura e das diversas  possibilidades terapêuticas. Numa perspectiva clínica, o filme nacional que talvez represente com mais propriedade o tema da loucura é Bicho de Sete Cabeças (Lais Bodanzky, 2000), em que um jovem
(Rodrigo Santoro) é internado pela família, contra a sua vontade, no manicômio, algo que hoje é proibido pela Legislação Federal.
  Bom pessoal, espero que tenham gostado do assunto de hoje. No próximo post "Reforma Psiquiátrica no Brasil".
Um grande abraço e até breve.
Roges